Foi chocante, para não dizer outra coisa, o que o executivo Tallis Gomes disse sobre o trabalho remoto há um tempo: “(…) é impossível construir qualquer coisa nesse modelo. Não seja refém de vagabundo que quer ficar enrolando em casa”. Infelizmente, pensamentos como esses refletem um grande preconceito que parte do mercado ainda carrega. Para quem desempenha suas atividades dessa forma, é comum ouvir gracejos insinuando que não fazemos nada ou então que somos enroladores profissionais. Quem pensa assim está enganado e vou te provar o porquê.
Um primeiro ponto a ser considerado é o quanto o trabalho remoto faz bem para as pessoas. Estudo conduzido pela Universidade de São Paulo e FIA Business School aponta que 94% dos profissionais que desempenham suas atividades dessa forma dizem que sua qualidade de vida melhorou. Isso acontece porque alguns entraves acabam de fora, como as longas horas de deslocamento de casa até a empresa, uma realidade muito cruel principalmente em companhias localizadas em grandes cidades como São Paulo e Rio de Janeiro. Equilíbrio e qualidade de vida não significam “enrolação” e sim motivação.
Além disso, dar expediente direto do lar ainda possibilita mais tempo com a família, promovendo uma autonomia maior para equilibrar as vidas profissional e pessoal. Por esse motivo, trabalhando sem o cansaço físico e com mais tempo para se dedicar a projetos pessoais, os colaboradores acabam mais motivados e dispostos a darem o seu melhor na empresa. E como concluiu uma pesquisa feita pela consultoria Right Management, após consultar 30 mil pessoas de 15 países, pessoas motivadas produzem 50% mais.
E isso é corroborado também pelas empresas, já que um estudo realizado pela EY, mostrou que 74% dos empregadores também notaram uma eficiência maior nos últimos anos. Indo mais além, o Brasil é um dos líderes no índice mundial de turnover, com dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED) apontando que a taxa nacional chega a 56%. Com a adoção do trabalho remoto, esse número tende a despencar, já que uma pesquisa da Robert Half mostra que 80% dos brasileiros desejam justamente um melhor equilíbrio entre vida pessoal e profissional para se sentirem mais felizes em suas carreiras.
Dados do relatório de transformação digital da América Latina apontam que empresas adeptas do trabalho remoto enxergam um aumento de produtividade 41% maior do que aquelas que mal permitem as atividades em casa. Isso acontece porque, no lar, as pessoas tendem a trabalhar mais, o que beneficia as companhias. Isso é o que mostra estudo do Departamento Nacional de Pesquisas Econômicas dos Estados Unidos, que atestou que os colaboradores que desempenham suas funções de casa acabam trabalhando, em média, 48 minutos a mais.
Outro ponto que vale a pena ser trazido para a discussão é a questão da diversidade e o aumento de oportunidades de emprego a pessoas que vivem longe dos grandes centros. Quando o presencial ainda era a tônica, uma empresa de São Paulo, por exemplo, só contava com colaboradores que residiam na mesma cidade por conta da logística. Com o trabalho remoto, pessoas de regiões distantes têm chances iguais de trabalho em grandes companhias sem, para isso, precisarem encarar uma mudança não programada de município.
Com isso, aumenta-se o intercâmbio de ideias entre pessoas de diferentes regiões do Brasil, possibilitando o acesso a culturas distintas que, de quebra, colaboram para que o ambiente corporativo seja mais inclusivo. Segundo um levantamento da Mckinsey mostra que times diversos étnica, regional e culturalmente tem 33% a mais de chance de terem maiores resultados, justamente por aumentar a criatividade e a capacidade de resolução de problemas das companhias. Principalmente em tecnologia, times diversos trazem mais inovação e disrupção.
Em relação à cultura organizacional, que muitos alegam ser algo impossível de se construir no trabalho remoto, eu também discordo. A Impulso é o maior exemplo disso. Nascemos há 14 anos e sempre fomos 100% remotos. Temos uma cultura extremamente forte baseada em liberdade com responsabilidade. É possível, sim, construir cultura no remoto desde que o remoto seja a cultura.
Ir contra o trabalho remoto é um retrocesso. Lideranças, como o Tallis Gomes, aplicam o modelo que acreditarem ser o melhor modelo para os seus negócios, porém isto não quer dizer que o remoto não funciona. Está mais do que provado que funciona. Vide quase 2 anos de pandemia. Muitas vezes tendemos a culpabilizar o “o que” e não o “como”. A produtividade ter caído enquanto a empresa estava operando remotamente também não quer dizer que o modelo é ruim. A própria Meta nos mostra isso.
Mark Zuckerberg, em setembro de 2023, anunciou que funcionários da Meta teriam que dar adeus ao home office para retornar ao escritório. O que alegou? Problemas de produtividade, afirmando que 2024 seria o “Ano da Eficiência”. Agora, em janeiro deste ano, o executivo vai a público novamente, desta vez para comunicar que a gigante de tecnologia fará provavelmente a maior onda de demissão em massa da sua história. Quase 4 mil funcionários serão cortados. Praticamente 5% da sua força de trabalho global. E qual é a justificativa dada? “Mau desempenho”. Ou seja, o problema não era o remoto.
O problema geralmente está na gestão. É preciso entender que modelos diferentes requerem formatos de gestão diferentes. O maior erro está em tentar aplicar a mesma maneira em que se fazia a gestão do time no presencial para o modelo remoto. As rotinas, processos, fluxos, a comunicação, e até mesmo o ferramental, tem que ser diferentes. A Impulso não saiu de zero para mais de R$ 50 milhões de faturamento apesar do remoto e sim por conta de gestão e cultura fortes proporcionadas justamente pelo remoto.